Inicialmente afirmo, é de suma importância, você, leitor, ter em mente que o presente artigo tem o objetivo de apresentação do crime de furto para demonstrar, de forma clara e objetiva, seus pontos fundamentais. Não tenho como objetivo esgotar o tema, mas tenho, sim, o intuito de trazer ao conhecimento do leitor uma introdução bastante elucidada do crime de furto.
Antes de adentrarmos ao tema especificamente, válido dizer que o direito à propriedade é uma garantia fundamental, conforme positiva o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
O furto é o primeiro crime dos crimes contra o patrimônio e está positivado no artigo 155 do Código Penal. Veja sua redação na forma simples, caput.
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
A palavra subtrair significa dizer, de forma direta, retirar a propriedade móvel (diferente, claro, da propriedade imóvel) de pessoa diversa.
E mais, o simples fato de alguém retirar algo que pertença à pessoa diversa não será considerado furto de forma automática. Isso porque, para que alguém incorra nesse tipo penal, deve se verificar a pretensão desse agente que subtraiu a coisa, pretensão essa de ser o dono dela.
Não basta, ainda, a subtração da coisa e o desejo de ser dono dela; a coisa deve ser alheia, ou seja, coisa de pessoa diversa. Não importando se essa pessoa seja o dono da coisa ou que tenha apenas a posse do bem.
Essa coisa pode ser de todas as formas, nas palavras de NUCCI: “pode ser corpo sólido, líquido ou gasoso.” Essa coisa, igualmente, deve possuir um valor econômico, para que não recaia na atipicidade pelo princípio da bagatela ou insignificância, tendo em vista que não é capaz de ofender o bem jurídico tutelado (princípio da ofensividade ou lesividade).
Qualquer pessoa pode figurar ativamente (autor do delito) e passivamente (vítima do crime). Desde que o caso cumpra com o acima mencionado, como por exemplo: subtrair uma coisa alheia móvel com o ânimo de ser dono.
Sua consumação se dá no momento em que o autor do crime consiga a obtenção do objeto sem qualquer forma de vigia desse bem. Esse agente se apodera da coisa – ânimo de ser dono – fazendo com que o antigo dono ou possuidor perca esse apoderamento. Logo, a vítima tem o objeto retirado de seus cuidados, e a posse passa a ser daquele que se apoderou dessa coisa que, outrora, não lhe pertencia.
O furto exige o dolo, ou seja, o agente precisa ter em mente o querer se apossar de algo que antes não lhe pertencia. Em termo diverso: o autor do fato deve possuir o dolo específico de ter aquele objeto para si (animus furandi).
Não necessita que o autor tenha uma qualidade específica, pois se trata de um crime comum e é classificado como um crime material, tendo em vista que sua concretização deixará vestígios, isto é, a vítima terá a diminuição de seu patrimônio.
Um ponto fundamental que precisa ser dito e que raramente, ao menos em graduação, dizem: essa coisa deve possuir valor econômico, que tenha um valor suficiente que sua perda cause um dano ao proprietário da coisa. Assim sendo, um objeto sem valor econômico, exemplo de um papel com dizeres que alguém guarda com apenas e tão somente valor sentimental, não pode ser objeto de um furto.
No caso acima, subtração de algo sem valor econômico, mas imbuído de valor emocional, deve ser resolvido na esfera cível, jamais na esfera criminal, até pela observância do princípio da ultima ratio.
Alguns parágrafos acima fiz uma breve menção de que o objeto deve possuir um valor que sua perda seja capaz que minorar seu patrimônio. Sendo esse objeto de valor irrisório, estaremos diante do chamado princípio da insignificância.
Princípio da insignificância: o direito penal não tutela casos insignificantes, é um fato atípico (não crime)! Um exemplo: determinada pessoa comparece ao meu escritório para uma consulta jurídico criminal e, ao sair, subtrai uma caneta Bic.
Essa subtração, embora seja algo que não lhe pertencia, não reduzirá meu patrimônio – é o chamado furto de bagatela – e, como consequência, o agente que se apossou da caneta não será responsabilizado penalmente.
Outro caso fundamental para abordar é o chamado furto de uso que por sua vez, igual ao caso acima – insignificância –, é atípico! O agente que hipoteticamente subtrair meu automóvel apenas para passear, sem a mínima intenção de ser dono, não deverá ser responsabilizado. A pessoa sem autorização pega meu carro, anda por horas, devolvendo o veículo no exato lugar onde o pegou e, ainda assim seria responsabilizado por isso criminalmente? Não faria sentido, visto que é o oposto do acima narrado, por exemplo: princípio da lesividade e necessidade do dolo específico de ser dono.
Nessa etapa seria de grande valia falar sobre o furto famélico, ocorre que, por ser tratar de uma excludente de ilicitude (estado de necessidade), basta uma rápida leitura no artigo publicado nessa página acerca do tema, qual seja: excludente de antijuridicidade, também denominado por excludente de ilicitude.
Explicarei, nesse ínterim, a causa de aumento de pena que está positivada no parágrafo primeiro do art. 155: A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
Essa garantia fui pensada pelo legislador para que a pessoa tenha o direito fundamental ao descanso, para que possa, no amanhecer, trabalhar. É uma forma de inibir a prática do furto noturno, valendo-se da ausência de vigilância pelo descanso noturno.
Antes de iniciarmos os comentários sobre as qualificadoras do furto, necessário trazer, de forma suscinta, o denominado furto privilegiado, mas que, na verdade, é uma causa de diminuição de pena. É exatamente o que diz a redação do parágrafo terceiro, art. 155, CP: Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Em suma: para que obtenha tal benefício, no momento da sentença penal condenatória, o agente precisa preencher o requisito da primariedade e a coisa deve ser de pequeno valor (até um salário, segundo a doutrina).
Antes de iniciarmos os comentários sobre as condutas que qualificam o crime, precisamos mencionar que a energia elétrica, assim como qualquer outra coisa móvel que tenha valor econômico, será apta a ensejar na consumação deste tipo penal. Por exemplo: furtar sinal de
Até aqui abordei alguns aspectos gerais do furto, bem como o inteiro teor do que consta na redação do caput do artigo 155, CP. Ocorre que agora adentraremos às qualificadoras (acréscimo do quantum de pena – mínimo e máximo – em detrimento da pena aplicada no caput).
Qualificadoras do furto, parágrafos 4º, 4º-A, 5º, 6º e 7º, do art. 155, Código Penal.
Afinal, o que é um crime qualificado?
Crime qualificado é a hipótese em que um tipo penal incriminador modifica aquela pena imposta na modalidade simples, que consta da redação da cabeça do artigo (caput). Como consequência, a modalidade qualificada agrava o crime.
Isso funciona porque altera o mínio e o máximo em abstrato das penas já previstas para o delito. Como estamos estudando o crime de furto, para exemplificar, vou demonstrar a pena do crime na modalidade simples e, após, a pena nas modalidades qualificadas.
- Pena do furto simples, caput, do artigo 155: reclusão de 1 a 4 anos, e multa.
Qualificadoras…
- Parágrafo 4º: reclusão de 2 a 8 anos, e multa…
- Parágrafo 4º-A: reclusão de 4 a 10 anos e multa…
- Parágrafo 5º: reclusão de 3 a 8 anos…
- Parágrafo 6º: reclusão de 2 a 5 anos…
E, por último…
- Parágrafo 7º: reclusão de 4 a 10 anos, e multa…
Notaram que todas as penas contidas nos parágrafos são maiores em comparação com a pena do caput? Isso é a chamada qualificadora do tipo penal, que nada mais é que a elevação do mínimo e máximo da pena já estabelecida na cabeça do artigo.
Dito o real significado do que é uma qualificadora, vamos aos comentários sobre cada uma delas.
Furto qualificado
§ 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I – com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa.
Falar em destruir é o mesmo que dizer em algo que foi danificado, quebrado, etc. O rompimento é dizer que algo foi arrombado, aberto de forma forçada.
Assim, determinado agente que possui em mente a ideia de subtrair coisa alheia móvel, coisa essa protegida por obstáculo, e para tanto quebra tal obstáculo. Nesse cenário, portanto, estaria configurado a modalidade qualificada do furto.
II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza
A qualificadora pelo abuso de confiança, inciso II do parágrafo 4º, faz referência a alguém que ignora, violando a confiança depositada pela vítima. Para uma melhor compreensão, vamos a um caso prático: uma determinada babá que cuida dos filhos do dos próprios empregadores, e por anos com ampla confiança em adentrar e sair da residência quando bem entender – praticamente da família – quebra essa confiança furtando joias da casa. Pronto, esse é um belíssimo exemplo dessa modalidade de qualificadora.
Já quanto à existência de fraude, é na hipótese de o agente infrator utilizar de uma técnica capaz de ludibriar sua vítima. Guilherme de Souza Nucci dá um belíssimo exemplo capaz de sanar todas as dúvidas, leiam:
o funcionário de uma companhia aérea que, no aeroporto, a pretexto de prestar auxílio a um turista desorientado, prometendo tomar conta da bagagem da vítima, enquanto esta é enviada a outro balcão de informações, subtrai bens contidos na mala, incide na figura qualificada.
Imperioso, ainda, o destaque sobre a diferença existente entre o furto mediante fraude com o crime de estelionato, também uma modalidade dos crimes contra o patrimônio, mas que não se confundo com o furto.
A diferença é básica: se o agente que pretende furtar agindo estrategicamente ao ponto de, no mento da retirada do bem, a vítima não perceber porque foi ludibriada, estaremos diante de um furto fraudulento.
Já no estelionato, figura positivada no artigo 171 do Código Penal, o agente ludibria a vítima fazendo com que ela entregue algo; aqui o agente não subtrai, mas sim recebe algo, voluntariamente, porque foi astucioso. Essa conduta é estelionato, não se confunde, então, com o crime de furto mediante fraude.
Furto com emprego de escala, outra modalidade do furto qualificado. Essa modalidade é simples de compreensão, não há necessidade de grandes esforços, basta analisar ao pé da letra.
Ao escalar, o agente sobre em algum lugar com auxílio de algo, ou não, bastando que essa escalada não seja algo próximo ao chão. Não seria escalada, por exemplo, se alguém, para furtar uma residência, pule apenas uma janela, aberta, e que esteja próxima ao chão.
Precisa, nesse sentido, que o agente suba no telhado ou pule um muro ou, ainda, que escale uma arvore que dê acesso ao imóvel que guarnece os objetos para o furto, etc.
Furto qualificado pela destreza. É uma habilidade capaz de fazer com que o agente obtenha êxito em sua conduta criminosa. Alguém que tenha grande habilidade em esbarrar com pessoa diversa e, nesse ínterim, conseguir surrupiar algo; exemplo clássico é o batedor de carteira.
Agora, o foco será o inciso três, parágrafo 4º, do artigo 155, do Código Penal, é a qualificadora pelo emprego de chave falsa. Vejamos:
155, §, 4º, III – com emprego de chave falsa.
Trata-se de um instrumento capaz de fazer com que um automóvel dê partida (chave falsa), ou ainda que seja capaz de abrir fechaduras. Um exemplo inequívoco dessa modalidade de qualificadora é a tão conhecida por: chave mixa.
Último inciso do parágrafo 4º, inciso quatro, o qual diz que o furto será qualificado na hipótese em que o furto seja cometido com o concurso de duas ou mais pessoas.
155, §4, inc. IV: – com emprego de chave falsa
Aqui, é o crime de furto praticado com a reunião de um agente. Não importa se ambos praticam o verbo do tipo, ou se apenas um pratica e o outro atua como partícipe. O que faz incidir na qualificadora é apenas e tão somente a reunião de agentes, dois ou mais.
E mais, mesmo que apenas um dos agentes seja alguém imputável, e os demais sejam inimputáveis, essa qualificadora restará configurada.
Alcançamos, agora, a qualificadora contida no parágrafo 4º-A , vigente desde 2018, com o único e exclusivo objetivo de dar um tratamento mais rigoroso à pratica dos furtos aos caixas eletrônicos com o emprego de explosivo. Veja a redação:
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018).
Esse explosivo ou substância análoga em que o parágrafo faz menção é uma substância capaz de gerar perigo comum. Esse perigo será caracterizado caso a prática ocorra em local urbano e habitado, motivo suficiente para o legislador acrescentar essa modalidade.
Algo que eu não poderia deixar de relatar aqui: essa modalidade de furto com o emprego de explosivo ou substância análoga está no rol dos crimes hediondos. Consta do artigo 1º-A, inciso IX, da Lei 8.072 de 1990, portanto, amigos leitores, estamos diante de um furto, qualificado e hediondo.
Outra qualificadora é a figura que consta do parágrafo 5º, que é o ato de furtar um veículo e realizar seu transporte a um outro Estado ou outro país. Veja a redação:
§ 5º – A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
O cometimento deste crime traz, conforme sua redação, uma pena abstratamente cominada em: mínimo 3 e máximo 8 anos.
Para que incorra neste tipo, o agente precisa furtar um veículo automotor, podendo ser, a título de exemplo: carro, ônibus, caminhão, jet-ski, lancha, barco, etc.
A doutrina, majoritariamente, compreende que para a configuração dessa qualificadora, é de extrema necessidade a consumação do crime, logo, não permitindo sua aplicação em caso de crime tentado.
Trata-se de um crime material, porquanto sua redação contém a expressão “venha a ser transportado, assim, é necessário um resultado naturalístico. Isto é: é necessário que o veículo seja levado a país ou Estado diverso.
Por fim, nesta qualificadora, é necessário a verificação da existência do dolo. Os agentes, ou o agente envolvido no cometimento deste crime, eles ou ele deve ter plena ciência de que o veículo será levado aos destinos que o tipo determina, caso contrário, não há de se falar nessa figura pela ausência do elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo.
Penúltima figura que qualifica o furto, estamos falando sobre o furto de semovente domesticável de produção. Segue sua redação antes dos comentários:
§ 6º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração. (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016)
O bem jurídico aqui, em que pese o objeto seja um animal, continua sendo o patrimônio. O importante é que este animal – domesticável de produção – pertença a alguém, excluindo-se, todavia, todos os animais selvagens. Sua pena abstratamente cominada é de 2 a 5 anos.
Acredito que a palavra domesticável não carece de maiores explicações, tendo em vista ser algo notório aos humanos a milhares de anos, a humanidade sempre, talvez, teve o hábito de domesticar animais.
Já no que tange à palavra de produção, essa sim, acreditamos ser essencial tecermos alguns comentários sobre.
Pois bem, animal de produção é aquele animal com o fim de comércio em larga escala, com o fim específico de atividade lucrativa explorada pelo comércio.
E mais, mesmo que o animal já esteja abatido e cortado para venda – exemplo claro de carne bovina ou suína – o furto desse animal será enquadrado nesta qualificadora.
Derradeiramente, vamos comentar a última figura prevista no crime de furto, é a figura prevista na redação do parágrafo 7º, que tutela substâncias explosivas e seus acessórios que possibilitam seu fabrico. Confira a redação:
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
Ela tutela os explosivos e seus acessórios por ser de altíssimo perigo comum pela possibilidade de explosão. Tem pena idêntica a figura do parágrafo 4º-A, qual seja: mínima de 4 e máximo de 10 anos, e multa; o que difere, entre ambos, é que o parágrafo 4º é um crime que visa o meio de execução do furto – NUCCI assim o defende em sua obra e, ainda, é um crime hediondo, pois consta do rol do artigo 1º da lei 8.072 de 1990.
Já a figura do parágrafo 7º, percebam, tem o escopo de proteger o acesso de explosivos aos agentes que têm o intuito de explodir agências bancárias, ou seus caixas, para furtar o dinheiro que lá estão; e, claro, necessário será a figura do perigo comum.
E assim finalizamos o estudo sobre o furto. Neste texto é possível elucidar por completo todos os itens inerentes ao tipo penal aqui tratado. Caso queiram aprofundar ainda mais o estudo, indico que busquem por jurisprudência para cada qualificadora aqui tratada e a aplicabilidade das qualificadoras em conjunto, ou seja, as preponderantes.