SUMÁRIO
Introdução.
1.1 A regulamentação no código
1.2 Conceito e finalidade
1.3 Princípios
1.4 Sistema de avaliação da prova
1.5 Provas ilícitas
1.6 Provas ilícitas por derivação
2 A PROVA TESTEMUNHAL
2.1 Considerações iniciais
2.2 Informante ou declarante
2.3 Testemunho das pessoas idosas
2.4 Corréu como testemunha
2.5 Compromisso da testemunha
4 Considerações Finais
Referências Bibliográficas. 23
RESUMO
Artigo introdutório à teoria geral da prova penal, abordando de forma singela os principais aspectos, bem como uma abordagem na prova testemunhal, ante sua relevantíssima importância ao advogado criminalista.
Temas explorados, primeiramente quanto à teoria geral: a regulamentação no código, conceito e finalidade, princípios, sistema de avaliação da prova, provas ilícitas e provas ilícitas por derivação; já no que diz respeito a prova testemunhal, abordamos: considerações iniciais, informante ou declarante, testemunho das pessoas idosas, corréu como testemunha e compromisso da testemunha..
Tivemos o escopo de apresentar uma básica teoria geral para que, então, pudéssemos adentrar a prova testemunhal, propriamente dita.
Palavras-chave: Prova Penal. Teoria Geral da Prova Penal. Prova Testemunhal. Processo Penal.
Introdução
O presente artigo é um introito à prova penal, tema de fundamental importância à militância na advocacia criminal. Outrossim, diante da imensa ocorrência em sede de audiência de instrução, debates e julgamento, a defesa técnica tem por obrigação dominar este tema, qual seja: prova testemunhal.
Ao falarmos de prova penal, temos que vislumbrar que a verdade real dos fatos, apenas serão alcançados pela produção das provas penais. Ocorre que, para que a prova seja admitida no processo deve respeitar uma série de requisitos para que, assim, não seja considerada uma prova ilícita.
Diante da enorme relevância da matéria, contudo, pela proposta deste estudo, qual seja, de apresentar um singelo e elementar conteúdo sobre o tema, a opção foi abordar os seguintes itens. Primeiro, teoria geral da prova: a regulamentação no código, conceito e finalidade, princípios, sistema de avaliação da prova, provas ilícitas e provas ilícitas por derivação; já no que diz respeito a prova testemunhal, abordamos: considerações iniciais, informante ou declarante, testemunho das pessoas idosas, corréu como testemunha e compromisso da testemunha
Cada tema abordado, mesmo que de forma sucinta, é crucial à atuação da defesa técnica em todos os aspectos. Assim sendo, logo abaixo, a leitura terá como ponto de partida a Teoria Geral da Prova com a regulamentação no código. Portanto, desejamos uma boa leitura!
1 teoria geral da prova penal
1.1 A REGULAMENTAÇÃO nO CÓDIGO
O Código de Processo Penal, a partir do Título VII, contemplou um conjunto de regras que regulamentam a produção de provas no âmbito do processo crime. Para que haja possibilidade, necessário foi estabelecer normas gerais relacionada aos critérios a serem utilizados pelo Juiz na valoração elementos de convicção contidos no processo e ao ônus de provar. No mesmo sentido, disciplinou as especificas formas de obtenção de prova, ou seja, elementos trazidos no processo com a capacidade de orientar o Juiz na busca da verdade dos fatos.
A título de demonstração dos meios elencados no Código de Processo Penal, segue o rol das provas em espécie:
- Perícias em geral, constantes dos artigos 158 a 184;
- Interrogatórios do acusado, previsto nos artigos 185 a 196;
- Confissão, regulada nos artigos 197 a 200;
- Perguntas ao ofendido, dispostas no artigo 201;
- Testemunhas, contempladas nos artigos 202 a 225;
- Reconhecimento de pessoas e coisas, regulado nos artigos 226 a 228;
- Acareação, disciplinada nos artigos 229 a 230;
- Indícios, referidos no artigo 239; e
- Busca e Apreensão, regulada nos artigos 240 a 250.
Nosso objetivo não é estudar todos, até pela escassez de laudas, entretanto, no que diz respeito a prova testemunhal, teceremos maiores comentários, visto que, no dia a dia, o advogado criminalista tem maior embate com as testemunhas da acusação, geralmente Policias Militares ou Civis.
1.2 CONCEITO E FINALIDADE
Prova é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias.
Corroborando com o presente estudo, trarei ensinamentos de obras de relevante importância no que tange ao estudo processual penal, sobretudo no que se refira à prova.
José Carlos G. Xavier de Aquino, em: A Prova Testemunhal no Processo Penal, nos ensina que: “desde o direito antigo, como vimos, a prova tem importância fundamental para justificar os fatos que se investigam. Tanto assim que as Ordenações Filipinas já diziam que a prova é o farol que deve guiar o juiz nas suas decisões.”
Ainda, nas palavras de Giuseppe Chiovenda, ensina que: “provar é formar a convicção do magistrado sobre a existência ou não dos fatos relevantes da causa.”
Observa, também, Enrico Tullio Liebman, que: “si chiamano prove i mezzi che servono a dar ela conoscenza di um fato e perciò a fornir ela dimostrazione e a formar ela convinzione dela verità del fatto medesimo.“
Como derradeira citação, temos a lição do inquestionável e notável processualista italiano Francesco Carnelutti, com a maestria que lhe é peculiar, com os dizeres: “son así um instrumento elemental no tanto del proceso como del Derecho, y no tanto del proceso de conocimiento como del proceso em general; sin ellas, em noventa y nueve por ciento de las veces, el Derecho no podría alcanzar su finalidade.”
Diante de todo o acima exposto, com o escopo de explicar, em linhas gerais, sobre o que seria prova, conseguimos concluir que provas são elementos de convicção fornecidos ao Juiz, com os quais ele poderá reconstruir os fatos investigados e estabelecer uma certeza judiciária – ou, ainda, uma verdade possível -, certeza essa que apenas equivale a uma probabilidade.
Utilizando as palavras de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, percebemos que estamos alinhados de forma majoritária com a doutrina. Veja:
Toda pretensão prende-se a algum fato, os fatos, em que se fundamenta. As dúvidas sobre a veracidade das afirmações feitas pelas partes no processo constituem as questões de fato que devem ser resolvidas pelo juiz, à vista da prova de acontecimentos pretéritos relevantes. A prova constitui, assim, numa primeira aproximação, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência de certos fatos.
(GRINOVER, FERNANDES, GOMES FILHO, 2001, p. 120).
Trouxemos de forma clara e objetiva o conceito de prova no processo penal e, neste ínterim, vamos elucidar de forma singela sua finalidade.
No processo, a produção da prova objetiva auxiliar na formação do convencimento do juiz quanto à veracidade das afirmações das partes em juízo. Não se destina, portanto, às partes que produzem ou requerem, mas ao magistrado, possibilitando, destarte, o julgamento de procedência ou improcedência da ação penal.
1.3 PRINCÍPIOS
Todo o angariado no trâmite processual, no que diz respeitos as provas, são regidos por princípios. Agora, abordaremos – e não será de forma exaustiva – tão somente os princípios essenciais à matéria.
Princípio do contraditório: significa que toda prova realizada por uma das partes admite a contraprova pela outra. O contraditório consubstancia-se na expressão audiatur et altera parte – ouça também a parte contrária -, o que importa em conferir ao processo uma estrutura dialética. Assim, se uma das partes arrolou testemunhas, tem a outra o direito de contradita-las, de inquiri-las e, também, de arrolar as suas.
Tem previsão constitucional, consoante à redação trazida no artigo 5º, inciso LV, da CF/88: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Basta lermos a doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que temos o suficiente para uma robusta compreensão deste importantíssimo princípio para o processo penal com vistas à Constituição Federal. Vejamos:
A garantia do contraditório compreende para o autor a possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir.
Para tanto, é preciso dar as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer em juízo os seus direitos.
(NERY JR., ANDRADE NERY, 2012, p. 229).
Princípio da comunhão: uma vez carreada aos autos do processo, as provas não são mais das partes que as acostou, mas sim ao processo, podendo, a partir de então, ser utilizadas por quaisquer das partes, incluindo, ainda, o Juiz que, mesmo não sendo parte, terá acesso às provas contidas na demanda.
Princípio da publicidade: considerando a importância das questões que dizem respeito ao processo penal, nada mais correto do que sejam elas tratadas publicamente. Logo, os atos que compõem o procedimento, incluindo a produção de provas, não devem ser efetuados secretamente. Nesse sento, o intuito dar garantia ao cidadão comum acesso e confiança no sistema de administração da justiça.
Válido assegurar, neste interregno, que o princípio da publicidade comporta exceção, qual seja: é o que se denomina como segredo de justiça.
Tal instituto tem fundamento no ordenamento jurídico pátrio nos seguintes diplomas: Constituição Federal, artigo 93, IX; artigo 201, parágrafo 6º e artigo 792, parágrafo 1º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 234-B do Código Penal.
Princípio do nemo tenetur se detegere, conhecido também por não autoincriminação: este princípio assegura ao acusado o direito de não estar obrigado a produzir provas contra si mesmo. A título de exemplo, daremos os seguintes casos: o acusado não tem obrigação de responder qualquer pergunta que lhe forem feitas em sede de interrogatório, seja em sede de inquérito policial ou em inquérito na instrução processual.
1.4 sistema de avaliação da prova
Nosso ordenamento jurídico, sobretudo no que tange ao processo penal, determina, basicamente, três sistemas, quais sejam…
O da livre convicção, que é o método concernente à valoração livre ou a íntima convicção do magistrado, significa dizer que não há necessidade de motivação para suas decisões. É o sistema que prevalece no Tribunal do Júri, por exemplo, visto que os jurados não motivam seus respectivos votos.
Prova legal (valoração taxada ou tarifada), significando no estabelecimento de um prévio valor para cada prova já produzida no processo, fazendo com que o magistrado fique adstrito ao critério fixado pelo legislador, consequentemente restringindo sua atividade de julgar. Era a época em que se considerava nula a força probatória de um único testemunho (unus testis, nullus testis). Há, ainda, resquícios desse sistema, como ocorre quando a lei exigir determinada forma para a produção de alguma prova, exemplo clássico é o que preceitua o artigo 158 do CPP, demandando o exame de corpo de delito para a formação da materialidade da infração penal que deixa vestígios, vedando a sua produção através da confissão.
Convencimento racional, este é uma mistura dos demais métodos, também é denominado como persuasão racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada. Trata-se, este critério, do sistema adotado majoritariamente pelo processo penal brasileiro, encontrando, frise-se, arrimo na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 93, IX, e possui como significado a permissão dada ao Juiz para decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, devendo, todavia, fundamentar toda e qualquer decisão.
Dada a imensa importância deste último sistema de valoração, será necessário será uma maior abrangência possibilitando numa maior compreensão deste método.
Norberto Avena, em sua obra: Processo Penal esquematizado, nos mostra o seu pensamento com os seguintes dizeres:
O sistema do livre convencimento está previsto no artigo 155, caput, do CPP, ao dispor que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não receptíveis e antecipadas. A partir dessa redação, concluiu-se, em relação a esse sistema:
- Não limita o juiz aos meios de prova regulamentados em Lei: isto significa que, sendo lícitas e legítimas, mesmo as provas inominadas, isto é, sem nenhuma regulamentação, poderão ser admitidas na formação da convicção do julgador. É o caso, por exemplo, das captações ambientais – gravação da conversa de duas ou mais pessoasem local público -, que, embora despidas de regulamentação específica, podem, em tese, servir de elemento de convicção do magistrado.
E continua…
- Caracteriza-se pela ausência de hierarquia entre os meios de prova: outra decorrência do livre convencimento é a de que não estabelece valor prefixado na legislação para cada meio de prova, nada impedindo, portanto, que o juiz venha a conferir maior valor a determinadas provas em detrimento de outras. Poderá, por exemplo, discordar da prova pericial e condenar ou absolver o réu com base, unicamente, em prova testemunhal; e, também, convencer-se quanto à versão apresentada por testemunha não compromissada, informando o depoimento de outra que tenha sido juramentada. Essa liberdade valorativa do magistrado, entretanto, não é absoluta, encontrando restrições impostas pela Lei e pela Constituição.
(AVENA, 2013, p. 445).
Nessa esteira, Avena, oportunamente, demonstra a necessidade de motivação, bem como aponta que as provas deverão constar dos autos do processo judicial, para que haja a devida fundamentação legal do livre convencimento motivado, vejam a seguir:
- Necessidade de motivação: esta exigência decorre, sobretudo, da Constituição Federal, a qual, no artigo 93, IX, obriga à motivação das decisões judiciais. Mas também se encontra implícita na regulamentação estabelecida pelo próprio Código de Processo, o qual, entre outros dispositivos, no artigo 381, III, estabelece que a sentença deva conter a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão.
- As provas deverão constar dos autos do processo judicial: não pode, assim, o magistrado formar sua livre convicção com base em elementos estranhos ao processo criminal. A propósito, na própria exposição de motivos do Código de Processo Penal o legislador de 1941 asseverou que “o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos.”
(AVENA, 2013, p. 446).
Podemos concluir, então, que o sistema do livre convencimento motivado – adotado em nosso sistema processual penal – permite com que o juiz escolha livremente sobre as provas, desde que, por óbvio, estejam nos autos, para fundamentar sua decisão.
1.5 provas ilícitas
Inicialmente, faremos uma introdutória e importante distinção no que concerne às ilicitudes probatórias.
Temos, então, o que se denomina por Provas Ilícitas, elas são consideradas gênero. E como gênero, comporta as seguintes espécies: as que são obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
Naturalmente, constituem provas ilegais as que afrontam qualquer norma de legislação ordinária, por isso envolvem tanto as penais quanto as processuais penais.
Exemplos práticos para facilitar a compreensão: suponhamos que determinada prova tenha sido colhida por infração à norma penal (confissão obtida com emprego de tortura). Segundo exemplo: prova conseguida com a violação de norma processual penal (laudo pericial produzido por um só perito não oficial), ambas constituem prova ilícita devendo, portanto, ser desentranhada dos autos.
Guilherme de Souza Nucci, defende do mesmo entendimento tal qual se defende neste artigo, e qual seria, de que provas angariadas com flagrante desrespeito às normas processuais penais, também, geram ilicitudes, e deverão ser desentranhadas.
Vejamos sua lição:
Há quem se oponha à consideração de ilicitude em relação a prova produzida com violação a norma processual penal. Entende-se, quando tal situação ocorrer, estar-se diante de nulidade da prova, e não de ilicitude. Nas palavras de ANTÕNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, comentando a nova redação do artigo 157, caput, do CPP: “não parece ter sido a melhor, assim, a opção do legislador nacional por uma definição legal de prova ilícita, que, longe de esclarecer o sentido da previsão constitucional, pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo, que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência, o seu desentranhamento do processo. O descumprimento da lei processual leva a nulidade do ato de formação da prova e impõe a necessidade de sua renovação, nos termos que determina o artigo 573, caput, do CPP.”
É justamente o oposto em nosso entendimento. A reforma de 2008 acolheu, claramente, a ideia de que provas produzidas ao arrepio da lei processual penal também geram ilicitudes, aptas a acarretar o desentranhamento da respectiva prova. Esse é o quadro ideal para a lisura e ética na produção de provas, consentâneo ao Estado Democrático de Direito. O cenário das nulidades deve ser reservado a outros vícios, longe do âmbito das provas.
(NUCCI, 2020, p. 436).
Por fim, tendo o magistrado se deparado com prova ilícita, da qual tenha o dever desentranhar dos autos, sua decisão para que tal conteúdo seja desentranhado por ser considerada inadmissível, é possível que o interessado impugne pela utilização do recurso de Apelação. E, em caso de preclusão, é facultado às partes acompanhar o incidente para a sua destruição.
1.6 provas ilícitas por derivação
Provas ilícitas por derivação são aquelas que, mesmo sendo lícitas, teve como origem prova diversa que, por sua vez, é considerada ilícita. Logo, ela é uma prova contaminada.
Tal teoria tem como origem o direito norte americano – do common law – é a denominada fruits of the poisonous tree que em português fica frutos da árvore envenenada.
Essa teoria que, antes de 2008, era consagrada pela jurisprudência brasileira. Hoje, tem previsão legal positivada no Código de Processo Penal, no que dispõe o artigo 157, parágrafo 1º, com a seguinte redação:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1º. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Nota-se que a redação do artigo retroelencado foi claro ao estipular a vedação da prova ilícita por derivação, com a introdução da teoria dos frutos da árvore envenenada no ordenamento jurídico brasileiro.
Entretanto, se a prova tiver como fonte independente, como tal considerada aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. É o que diz a redação do parágrafo segundo do artigo 157, CPP: “considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.”
Para findarmos o tema abordado, agregando, outrossim, valor no acima elucidado, é imperioso trazer as palavras dos brilhantes Professores: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Filho. Na obra: Nulidades do Processo Penal, publicado 2001, em sua 7ª edição, ponderaram sobre o presente tema o seguinte:
A questão das denominadas provas ilícitas por derivação diz respeito àquelas provas em si mesmas lícitas, mas a que chegou por intermédio da informação obtida por prova ilicitamente colhida.
É o caso da confissão extorquida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido. Ou, o caso da interceptação telefônica clandestina, por intermédio da qual o órgão policial descobre uma testemunha do fato que, em depoimento regularmente prestado, incrimina o acusado.
Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo.
É a conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada, cunhada pela Suprema Corte americana, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.
No entanto, é preciso atentar para as limitações impostas à teoria da inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, ou dos frutos da árvore envenenada, pelo próprio Supremo norte americano e pela doutrina internacional: excepcionam-se da vedação probatória as provas derivadas da ilícita, quando a conexão entre umas e outra é tênue, de modo a não se colocarem a primária e as secundárias como causa e efeito; ou, ainda, quando as provas derivadas da ilícita poderiam de qualquer modo ser descobertas por outra maneira. Fala-se, no primeiro caso, em independent source e, no segundo, na inevitable Discovery. Isso significa que se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para o descobrimento das derivadas, ou se estas derivam de fonte própria, não ficam contaminadas e podem ser produzidas em juízo.
(GRINOVER, FERNANDES, GOMES FILHO, 2001, p. 137).
2 A PROVA TESTEMUNHAL
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Testemunha é a pessoa que, diante do magistrado, dá ciência sobre os fatos abordados no processo crime. Ela age sob o compromisso de falar apenas a verdade, bem como de ser imparcial.
Em outras palavras: trata-se da pessoa que, supostamente, conheça algo que seja relevante atinente aos fatos e a quem se interroga sob o juramento, com o escopo de expressar tudo aquilo que saiba sobre o caso em comento.
Importante dizer que não há obrigatoriedade que a pessoa reconstitua o fato no momento de seu depoimento, pormenorizadamente. Ela tem o dever, contudo, de não exagerar naquilo que depõe, não podendo acrescentar ou diminuir os fatos sobre os quais o autor esteja sendo responsabilizado. Isso, de certa forma, pode exasperar, ou minorar, sua responsabilidade penal.
Etimologicamente, a palavra testemunha tem origem da palavra testibus, que tem como significado: dar fé da veracidade de um fato. Alguns autores entendem que tal palavra tenha como origem o vocábulo antesto ou antisto, que possui o seguinte significado: uma pessoa que vê diretamente um fato e conserva sua imagem.
Para findarmos as considerações iniciais, temos como obrigação intelectual trazer à baila os ensinamentos de José Carlos G. Xavier de Aquino, lição publicada recentemente, ano de 2020. Portanto segue:
Pedro Nunes, em seu Dicionário de tecnologia jurídica, divide o conceito de testemunhas em duas partes, s saber:
- testemunha é toda “pessoa que assiste a determinado fato contestado, ou dele tem conhecimento, e é chamada a juízo a fim de depor desinteressadamente sobre o que souber a seu respeito”;
- e o dicionarista segue dizendo que testemunha também é aquele indivíduo que, “reconhecidamente idôneo e previamente convocado, se acha presente à conclusão do ato jurídico, para cuja autenticidade e formalidades extrínsecas concorre com a sua assinatura.”
(AQUINO, 2020, p. 144)
Segue, ainda, sedimentando o entendimento:
Por questões metodológicas, começarei por analisar a segunda parte do conceito sobredito. Assim, é que esta última parte faz referência ao testemunho instrumental (também chamado impróprio, de leitura) e, nesse caso, a testemunha não relata o que sabe sobre um fato externo que conhece extraprocessualmente, mas sim atua como um elemento que atesta e garante a realização de um ato jurídico.
(AQUINO, 2020, p. 145).
Tiramos da brilhante lição supracitada, a seguinte conclusão sobre testemunhas: seja em quailquer matéria de direito, no cível ou no penal, o testemunho se concretiza no transmitir para a autoridade competente o conhecimento de um determinado fato objeto do processo como finalidade probatória.
2.2 Informante ou declarante
Dá-se o nome de informante, ou declarante, à pessoa que informa ou fornece um parecer acerca de algum fato, despida de qualquer tipo de imparcialidade, estando ausente, o dever de dizer a verdade. Isto posto, podemos dizer que o informante não pode ser considerado uma testemunha. Nesse sentido, a nomenclatura mais pertinente ao informante é de testemunha imprópria.
Isto é dizer, informante não depõe como testemunha, além do fato de não prestarem compromisso de dizer a verdade – pessoas com idade inferior a 14 anos, deficientes mentais e parentes do Réu.
Claro, sobretudo os menores de 14 anos, eles podem ser ouvidos sendo oportuno, mas jamais terão o juramento dizer a verdade. O Juramento é deveras prestigioso quanto à veracidade e valoração do quer for declarado, ocorre que o juiz, somente, não terá de tomar o compromisso desse rol de pessoas: indignos de crédito, menores, e parentes do Réu.
Verticalizando mais o presente tópico, falaremos sobre os menores de 14 anos e sobre os doentes mentais, de forma específica, um por vez.
Já dissemos, acima, que os menores de 14 anos não poderão testemunhar, tão somente ser informante. O direito brasileiro tem como fonte, nesses casos, as ordenações filipinas:
Os menores de quatorze anos não podem ser testemunhas em nenhum feito. Porém, havemos por bem que os julgadores, em feitos crimes muito graves perguntem os menores de quatorze anos sem juramento, por falta de outra prova, para se informarem na verdade, para não ficarem os delitos graves sem castigo.
(Liv. III, Tít. 56, n. 6).
Válido elencar, nessa oportunidade, que aos menores, á uma legislação que dá um tratamento diverso caso haja realmente necessidade de eles serem ouvidos. Trata-se da Lei 13.431 de 2017, conhecida, também, por Lei da Escuta Protegida ou Lei do Depoimento Especial. Tal norma prevê um sistema de garantias de direitos das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
Nucci, em seu curso de Direito Processual Penal, estabelece uma importantíssima classificação: o depoimento do menor – inimputável – comparsa do Réu. Sua explicação dá um norte para que possamos, como advogados criminalistas, ter em mente como lidar com essas situações. Vejamos…
É admissível o depoimento do inimputável, comparsa do réu, afinal, o menor de 18 anos, penalmente irresponsável (artigo 27, CP), pode tomar parte ativa no cometimento de uma infração penal, associando-se ao maior. É o que se chama de concurso impropriamente dito ou pseudoconcurso de agentes.
Nessa hipótese, deve ser arrolado, normalmente, como testemunha, porque, na esfera penal, não pode ser considerado parte na relação processual estabelecida. Tem, pois, o dever de dizer a verdade. Nem se diga que ele precisa ter o mesmo tratamento do corréu, tendo direito ao silêncio e não sendo considerado testemunha, porque estaria respondendo – ou poderia vir a responder – pelo que fez na Vara da Infância e Juventude. Ora, segundo a legislação brasileira, busca-se, em caso de aplicação de medida socioeducativa, um melhor preparo do menor para a vida adulta, formando-o e reeducando-o apenas.
(NUCCI, 2020, p. 511).
Por fim, sobre os doentes mentais… Qualquer individuo que esteja dentro do que se determina como doente ou deficiente mental é incapaz de prestar compromisso.
Isso porque o legislador, por motivos óbvios, afastou este grupo absolutamente da possibilidade de depor. Sequer permitiram que estes, em qualquer intervalo de lucidez, prestassem compromisso de falar aquilo que sabem.
Válido dizer que os legisladores fizeram a distinção em dois grupos: doentes e deficientes mentais. Ambos terão o mesmo tratamento, sempre, porquanto fica muito difícil ao magistrado avaliar um testemunho dessa natureza. Obviamente não tem perícia alguma para tanto, compete aos profissionais da saúde, sobretudo à medicina.
2.3 Testemunho das pessoas idosas
Após a análise dos testemunhos dos deficientes mentais e das crianças, acreditamos ser de grande valia abordarmos o testemunho das pessoas idosas. A priori, importantíssimo o destaque de que o legislador não os enquadrou na categoria das pessoas que não prestam compromisso.
O ser humano, com o avanço da idade, é natural que a idade avançada interfira no discernimento e no reflexo da pessoa. Isso pode, acreditamos, influenciar na veracidade do testemunho.
O processo intelectivo cai em decadência, isso é notório, e seu rendimento, com a fase idosa é muito inferior comparado com sua fase jovem. Isso é uma questão natural, fisiológica.
Isso posto, mesmo o legislador não os colocando no rol dos que não prestam compromisso, o juiz, ao receber o depoimento da pessoa idosa, terá de avaliar muito bem o teor do exposto, e tudo isso de forma cautelosa.
Além do magistrado, evidentemente, o advogado deve prestar bastante atenção, e, se possível, avaliar com antecedência o caso de contraditar essa testemunha do idoso, tudo em benefício de seu cliente, o réu.
2.4 Corréu como testemunha
Consigo, desde logo, que o corréu não pode ser testemunha, isso se dá porquanto não presta compromisso, nem mesmo tem o dever de dizer a verdade.
Nucci sustenta, nestes casos, uma exceção: “quando há relação (assume o acusado a sua culpa e imputa também parte dela a outro corréu), sustentamos poder haver reperguntas do corréu delatado, unicamente para aclarar pontos pertinentes à sua defesa.
Para que isso ocorra, na instrução, durante o interrogatório, terá um momento adequado que possibilite tal ato. Em tempo, poderá o magistrado, ainda, designar uma audiência para que o corréu seja ouvido em declarações, com o escopo de garantir a ampla defesa do delatado e não para incriminar de qualquer modo o delator.
2.5 compromisso da testemunha
Tem previsão legal, é o que conta da redação do artigo 203 do Código de Processo Penal. O instituto importa em advertência à testemunha quanto à sua obrigação de falar a verdade.
Nesse sentido, temos o que denominamos por prestar o compromisso de falar a verdade, sob pena de responsabilidade penal consoante ao tipo penal previsto no artigo 342 do Código Penal.
O juiz, antes de colher o depoimento da testemunha, deverá compromissá-la, para que esteja claro e inequívoco seu dever de dizer a verdade, somente a verdade, sob pena de responsabilização criminal, conforme demonstro no parágrafo anterior. E mais, esse compromisso é de fulcral importância, pois assim o depoente poderá ser responsabilizado.
Imperioso trazermos uma polêmica no que diz respeito a esse entendimento, pois afirmo, ele não é pacífico!
Parte da doutrina defende que somente após o compromisso pode ensejar, em desfavor da testemunha, a responsabilização do 342, CP. Já a outra parte sustenta que é uma mera formalidade, respondendo, desta forma, sempre pelo crime, faltando com a verdade.
Defendo a posição que tem previsão legal no Código de Processo Penal, pois ele prevê o rol de pessoas que prestam o compromisso e têm o dever de falar aquilo que de sua ciência. Em contrapartida, fixou-se outro entendimento de que há outras pessoas, considerados informantes ligadas ao Réu, (artigo 206 combinado com o artigo 208, CPP), ou não são considerados plenamente confiáveis – por exemplo, os menores de 14 anos -, ou seja pelo fato de possuir doença ou deficiência mental, não possuindo, logo, discernimento adequado para que seja possível prestar compromisso.
Trazendo para enriquecer o presente estudo, a tese que o Procurador Geral de Justiça, Norberto Avena, defende no que tange à responsabilidade penal de todas as testemunhas, prestando, ou não, o compromisso de dizer a verdade. A seguir…
Na atualidade, porém, tem sido repensado o conceito de compromisso para se considerar que não pode mais este instituto ser interpretado como o dever de verdade, visto que isto importa, também, entender que a testemunha não compromissada pode mentir, postura esta inaceitável dada a seriedade que caracteriza o processo criminal. Segundo esta posição, à qual nos filiamos, o compromisso não passa de um sinal, um símbolo que, conforme esteja presente ou ausente no depoimento, permite ao juiz conferir-lhe maior ou menor valor no ato de sentenciar. Sendo assim, qualquer testemunha, mesmo sendo dispensada de compromisso, poderá responder pelo crime de falso testemunho se faltar, calar ou negar a verdade.
(AVENA, 2013, p. 557).
Para findarmos este tópico, é de suma importância aclararmos o que ocorre no ato da recusa em depor.
Muito divulgado, porém, de forma equivocada, que o ato de recusar a depor se enquadra na figura típica do crime de desobediência, o que não é verdade.
A recusa tem como tipo penal incriminador a conduta descrita no artigo 342, CP, já abordado aqui. Trata-se, portanto, do crime de falso testemunho. Sabendo o que houve e calar a verdade ou ficar em silêncio, ambos configuram tal conduta.
Por fim, suponhamos que determinada pessoa fique silente quando deveria dizer, tendo em vista já estar compromissada. A consequência disso é a confecção do auto de prisão em flagrante pelo crime de falso testemunho.
Ocorre que, querendo o preso – testemunha silente – falar, em tempo de se retratar, haverá tal possibilidade. Desde que o fato não viole a administração da justiça.
4 Considerações Finais
Como proposto, aduzimos alguns temas de forma mais superficial e, outros, mais detidamente. A teoria geral da prova, bem como a prova testemunhal propriamente dita, é um tema exponencial à ciência penal, por conseguinte, foi o tema deveras estudado pelo autor porquanto é inimaginável a defesa técnica negligenciar tal matéria e possuir, concomitantemente, um desemprenho satisfatório em seu trabalho.
Referências Bibliográficas
AQUINO, José Carlos G. Xavier. A Prova Testemunhal no Processo Penal Brasileiro. 7ª ed. Salvador. Juspodivm, 2020.
AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 5ª ed., Rio de Janeiro, Gen Método, 2013.
GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo Penal. 7ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001.
NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Constituição Federal Comentada. 3ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2012.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 17ª ed. Rio de Janeiro. Gen Forense, 2018.
Site da Universidade de Coimbra, 2020. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l3p648.html. Acesso em: 16 de novembro de 2020.