É primordial demonstrarmos, antes de iniciarmos o texto, que o direito supremo de defesa é de fundamental importância ao Estado Democrático de Direito. Visando, sobretudo, a manutenção do contraditório, ampla defesa, do direito à imagem, da intimidade e, obviamente, do princípio basilar da dignidade da pessoa humana.
Diante de sua tamanha importância e pelo desrespeito corriqueiro necessário foi o nascimento de um importantíssimo instituto para obstar todas as violações a nós destinadas. O instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Tem como fulcral escopo o esclarecimento de que em nada se confunde a figura do profissional – advogado constituído – com a pessoa do ora indiciado, réu ou sentenciado, ou seja, pouco importa em qual momento processual esteja o causídico exercendo suas prerrogativas.
Poucos têm a noção da real necessidade e do indispensável papel do advogado criminalista no que tange à defesa técnica. O advogado não defende o crime, definitivamente não é essa a nossa atribuição. Nós defendemos a pessoa, defendemos o seu direito constitucional à defesa técnica, seu direito de ser processado, julgado e condenado nos termos da lei. Essa sim, caro leitor, é a nossa atribuição, para assegurarmos o devido processo legal.
Referenciando uma brilhante advogada criminalista e atual Presidente do IBCCRIM, qual seja: Eleonora Nacif (inclusive, já foi minha Professora de Recursos – Código de Processo Penal – na Escola Superior de Advocacia: ESA-SP): “em suma, temos de demonstrar à população que nós, advogados, defendemos o direito a ter direitos”.
Você, leitor, deve estar se perguntando sobre o título: a espetacularização do processo penal pela mídia, certamente. Pois bem, darei alguns exemplos para que fiquemos sem quaisquer dúvidas nesse sentido.
A revista época em determinada edição publicou uma edição que a capa era um retrato do goleiro Bruno, e nela víamos estampada uma foto do goleiro com um título enorme dizendo: indefensável. Agora questiono-os: o repórter responsável pela capa estuda processo penal? Será que ele sabe quais são as defesas possíveis em um caso de competência do Júri? Acredito que ele não detinha tais conhecimentos, ao menos à época. Resumidamente, pois não é o tema do texto, citarei algumas teses defensivas que diferem do pedido de absolvição: podemos demonstrar que o agente agiu com sua vontade viciada pela inexigibilidade de conduta diversa, participação de menor importância, desclassificação, podemos retirar as qualificadoras para uma substancial diminuição de pena, coação moral irresistível, legítima defesa, etc. São, como leram, inúmeras. Entenderam o grande desserviço prestado pela revista com sua visão pequena de que temos como objetivo demonstrar se o agente é culpado ou inocente? Tudo é defensável, mesmo que a defesa não ataque a absolvição.
Vejam, há tempos a presente crítica atacando esse cenário midiático de total desinformação técnica em desfavor do réu é realizada, sobretudo quanto ao réu demonizado – quase que um alguém sem diretos – durante o trâmite do processo do tribunal do júri. Márcio Thomaz Bastos, meados do ano de 1.999, teceu a mesma crítica. Percebam: àquela época, não tínhamos ao nosso alcance toda a tecnologia hoje existente. Imagine, se naquele ano a mídia sensacionalista já era criticada pelo seu maléfico trabalho prestado, reflitam agora o tamanho do estrago que essa mesma impressa pode causar hoje com a era tecnológica.
Existe uma grande curiosidade, por parte de nós humanos e curiosos que somos, acerca da tragédia do dia a dia, sobretudo quando envolve morte. O que ocorre é que os grandes veículos de comunicação notaram esse fascínio pelo sangue abrindo, consequentemente, grande parte de seus programas para esse tipo de atração. Eles precisam de lucro, são entidades empresarias que buscam ativos, e a rentabilidade desses veículos tem como origem a audiência, logo, como é de ciência nossa curiosidade sobre essa temática, serão amplamente e irresponsavelmente trabalhados. E para que: para lucrarem.
O Professor Doutor Sérgio Salomão Shecaira, Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito Universidade de São Paulo (USP), em um de seus inúmeros artigos acadêmicos publicados, nos elucida quanto o porquê dessa curiosidade atinente aos réus do Tribunal do Júri com o que segue: “um dos fatores que reforça esse fascínio das pessoas em relação à criminalidade é justamente porque quando nos diferenciamos do criminoso que não se deixa dúvidas quanto a condição de pessoas honestas que cada um atribui a si próprio”. Minha interpretação desse trecho é a seguinte: quando atribuímos a outrem más qualidades, quando os tachamos de criminosos, de monstros, muitas vezes não sabendo, sequer, o que realmente ocorreu, estamos nos diferenciando dessas pessoas. E por quê? Porque assim podemos nos rotular como pessoas puras, diferentemente daqueles. Nos colocamos como pessoas sujeito de direitos e eles, infratores, como coisas, uma espécie que não detém direitos.
Agora, antes de que me apontem como alguém que não respeita a informação, informação ofertada pelos veículos de comunicação, preciso afirmar: nada disso! É evidente que na sociedade atual, sociedade da informação, precisamos nos atualizar, todo santo dia. A informação é essencial. Todavia, o texto ataca a má informação, o excesso, tendo em vista que não podemos ser irresponsáveis a ponto de, por dinheiro, diminuir a imagem constitucionalmente tutelada de terceiros, mesmo que esse terceiro esteja no banco dos réus ou esteja indiciado pela autoridade policial. Todos, absolutamente todos, têm direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
Sobre o excesso alegado no parágrafo acima, explicarei agora o porquê. Simples, é diariamente divulgado, amplamente divulgado, pessoas e mais pessoas, casos e mais casos, de condenação, de indiciamento, de prisão flagrancial, etc. Agora, dito isso, faço a seguinte indagação: a mídia, todas elas, dá o mesmo espaço à defesa? Elas apontam com a mesma publicidade as pessoas que são inocentadas com sentença transitada em julgado? Elas dão, ao menos, a oportunidade de a defesa responder aos ataques sofridos? Preciso responder? Não, claro que não. Isso não vende, não traz lucro; falar bem deles não é rentável.
Interessantíssimo que cada veículo tem sua “verdade” a ser publicada, cada emissora, cada jornal, cada site, traz sua identidade ao fato desvirtuando a verdade. A função social desses veículos é totalmente prejudicada, diariamente prejudica a defesa – como uma espécie de quarto poder – quanto ao trâmite processual. Resumindo, cada qual destes veículos criam a sua realidade. Nesse escopo temos, portanto, como fora exposto retro, a violação de alguns princípios, quais sejam: o devido processo legal, a ampla defesa, a plenitude de defesa nos casos do Tribunal do Júri (superior a própria ampla defesa), a presunção de inocência, a dignidade da pessoa humana, bem como as garantias constitucionais como o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.
A informação pelos meios de comunicação é quesito inequívoco de um Estado democrático de defesa, requisito basilar que, de tamanha importância, quando ocorre um Governo autoritário ou ditatorial, é a primeira ferramenta a ser removida. Ou seja, é fundamental a liberdade de imprensa, isso é inegável, não há qualquer dúvida nesse sentido. Tiremos como exemplo os vinte e um anos que nossa nação sofreu com a ditadura militar. Todos os veículos de comunicação à época sofreram, e muito, nesse ínterim.
Com a redemocratização trazida com a carta política dos anos de 1.988, em seu artigo quinto, inciso IV a livre manifestação do pensamento sendo vedado o anonimato. E na mesma esteira, ainda no artigo quinto, inc. IX: é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente censura ou licença. Continuo, inciso XIV do mesmo dispositivo: e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
A lei de número 13.188 de 11 de novembro de 2015 nos traz, para o auxílio nesse combate aos atos irresponsáveis dos meios de comunicação, nesses casos, que a retificação do mal causado deverá ter o mesmo espaço ou duração da violação contra aquela pessoa que tenha sido atingida pela propagação da informação maléfica. Exemplificando: fulano que for aviltado em determinado telejornal, o mesmo tempo utilizado para a agressão contra este terá de ser destinado em favor de sua defesa; cicrano que for sua honra atacada em determinado jornal impresso, o mesmo espaço utilizado nesse ataque deverá ser empregado no direito à resposta defensiva.
Como funcionaria: a pessoa que sofra a lesão encaminhará um comunicado via aviso de recebimento pedindo seu direito defensivo com o mesmo espaço ou tempo para que o exerça com paridade de armas. Nesse sentido, se em vinte e quatro horas seu pedido não seja cumprido extrajudicialmente, o pedido poderá ser destinado ao juiz que proferirá sua decisão em até dez dias, sob pena de multa.
Não podemos, conforme o exposto, alegar que seja caso de censura. Jamais podemos incorrer nesse erro, pois temos como fundamento o artigo quinto, inc. V da Constituição Federal que prevê o direito de defesa nos casos de lesão. Logo, trata-se de um direito fundamental no combate ao desrespeito à honra, à imagem, etc. Não podemos confundir a violência exercida pelos meios de comunicação com suporte no direito constitucional à liberdade de imprensa. Uma coisa é exercer o direito de exercer e propagar informações úteis e verdadeiras, outra coisa totalmente diversa é utilizar da força de propagação para ceifar a honra de outrem.
Preciso demonstrar, ratificando todo o exposto no presente texto, que mesmo nos casos em que o agente violado tenha direito à resposta, e que, ainda, seja indenizado, provavelmente o dano causado possa ser, facilmente, irreparável. Independentemente da quantia pecuniária destinada à indenização, o mau causado venha a se ternar irreparável diante da ampla lesão causada. Como exemplo, aos que não saibam, temos o caso da Escola Base que, injustamente e de forma devastadora, destruiu a imagem dos acusados de forma irremediável. (link do caso no site do canal ciências criminais: https://canalcienciascriminais.com.br/caso-escola-base/).
Notem: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, isto é, a presunção de inocência é direito de todos, acreditem, todos nós possuímos esse direito. Será que tal garantia é respeitada pela mídia? Vamos aos exemplos. Adoro exemplos!
Exemplo primeiro: capa da revista Veja, sobre o caso dos Nardoni, estampava um grande: “Foram eles”. Entretanto, essa afirmação foi exposta publicamente em 2008. Repito, eles alegaram à época que tinha sido o casal. Ocorre que o casal Nardoni foi julgado e condenado no ano de 2010. Em outras palavras, a sentença proferida pela justiça popular midiática, sem direito recursal, foi publicada anos antes da jurisdição competente proferir sua condenação.
Exemplo segundo: caso Carla Cepollina ré em um processo de competência do Tribunal do Júri acusada de ter matado o coronel Ubiratan Guimarães, em 2006 (responsável pelo massacre do Carandiru). O caso foi emblemático e amplamente divulgado pela mídia, obviamente, pois como é matéria que venderia facilmente o que traria, como consequência, lucro às empresas de comunicação envolvidas.
Ocorre que, antes de ser absolvida, trarei como exemplo os veículos impressos, a regra era ser assunto de capa com grandes e chamativas estampas. Entretanto, no dia seguinte à absolvição, a folha de São Paulo trouxe uma pequena nota de rodapé. Facilmente compreensível: absolvição não vende! Empresas visam lucro, resumidamente é isso: o rentável é veiculado e o não rentável é assunto secundário ou, ainda, descartável. Uma pergunta para reflexão acerca desse exemplo: caso ela, naquela oportunidade, fosse condenada, acham que o espaço do jornal (Folha de São Paulo) traria a notícia no rodapé da capa?
Após os exemplos trazidos à tona no parágrafo anterior, trarei à baila, agora, o artigo 11 (onze) da portaria 18/98 da Delegacia Geral de Polícia. Para a surpresa dos caros leitores e, na mesma oportunidade, hão de perceber que na prática dificilmente ocorre o que a portaria positiva.
Segue abaixo:
“Artigo 11: as autoridades policiais e demais servidores zelarão pela preservação dos direitos à imagem, ao nome, à privacidade e à intimidade das pessoas submetidas à investigação policial, detidas em razão da prática de infração penal ou à sua disposição na condição de vítimas, em especial enquanto se encontrarem no recinto de repartições policiais, a fim de que a elas e a seus familiares não sejam causados prejuízos irreparáveis, decorrentes da exposição de imagem ou de divulgação liminar de circunstância objeto de apuração.
Parágrafo único: as pessoas referidas nesse artigo, após orientadas sobre seus direitos constitucionais, somente serão fotografadas, entrevistadas ou terão suas imagens por qualquer meio registradas, se expressamente o consentirem mediante manifestação explícita de vontade, por escrito ou por termo devidamente assinado, observando-se ainda as correlatas normas editadas pelo Juízos Corregedores da Polícia Judiciária das Comarcas”.
Isto é, os presos somente poderão ser fotografados ou filmados, entrevistados e expostos caso permitam de forma expressa e inequívoca. Será que o Datena, bem como o Luiz Bacci têm autorização ao filmarem e exporem ao público todos os presos suspeitos durante seus programas? Todas as mídias estão inclusas nessa indagação, utilizei-me, apenas, desses exemplos por entender os mais correlatos à indagação por utilizarem, diuturnamente, de prisões semelhantes aos filmes hollywoodianos para atraírem seu público, segurando-os para obterem audiência e, consequentemente, lucrando com o espetáculo.
Trago-lhes outro exemplo, para concluirmos a presente crítica do espetáculo em que a mídia faz em busca do dinheiro com um viés irresponsável, violento, irreparável e irrecorrível. O exemplo trata do caso sobre o homicídio cometido por Elize Matsunaga vitimando seu marido Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki. Para tanto, citarei, novamente, a Presidente do IBCCRIM Eleonora Nacif em um texto muito bem escrito e publicado pela Escola Superior de Advocacia:
“Elize Araújo Matsunaga é acusada de ter praticado homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e meio cruel) contra seu marido, o empresário Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki. Desde o dia 19 de maio de 2012, data em que ocorreram os fatos, as mídias em geral (jornais, revistas, televisão, rádio etc) têm se ocupado bastante em veicular notícias sobre este triste episódio. A edição de 13/06/12 da revista Veja, por exemplo, estampou uma foto na capa do belo rosto de Elize, lançando um legítimo “olhar 43”. A manchete que segue logo abaixo do “olhar” é a seguinte: “CASO YOKI – MULHER FATAL – A história de Elize Matsunaga, assassina confessa, que esquartejou o marido milionário enquanto a filha dormia”.
Interessante observar os elementos de impacto trazidos na capa da revista: 1) mulher fatal; 2) assassina confessa e 3) marido milionário. Em outras palavras, mulher bonita, crime e dinheiro. Para completar o mórbido menu, Elize era ex-prostituta, e conheceu Marcos através do site M. Class, no qual garotas de programa oferecem seus serviços.
Notícias sobre o “caso Elize” e assemelhados causam grande interesse e curiosidade na população em geral. A imprensa percebe este interesse e acaba por destinar grande parte do tempo dos programas televisivos e das páginas dos jornais para veicular notícias sobre crimes. “Mulher bonita, crime e dinheiro” definitivamente, vende.”
Com muita elegância e técnica Eleonora Nacif, novamente, contribuiu conosco para entendermos o papel desempenhado pela mídia no processo penal, transformando-o em uma dramaturgia, de forma irresponsável, impossibilitando muitas vezes – quase sempre – o exercício do contraditório, da ampla defesa e dos possíveis recursos ante as suas, irreparáveis, condenações.
Encerramos, portanto, o texto demasiadamente crítico atinente às irresponsabilidades (reitero) cometidas pelos veículos de comunicação. Oportunamente reafirmo: minha crítica não é menosprezando ou diminuindo o fundamental papel da mídia. Muito pelo contrário, nos dias atuais precisamos de muita informação, isso é inquestionável! Todavia, precisamos nos ater ao ordenamento jurídico pátrio, sobretudo no que diz respeito aos preceitos constitucionais.